A Bipolaridade pode ser difícil de ser diagnosticada e até mesmo tratada
Publicado por Scio Education

Por Arlene Karidisn, 13 de novembro de 2016

Ainda adolescente, a sonhadora Aleem tinha certeza de que em poucos anos iria para a Faculdade de Direito em Harvard. Mas a estudante super aplicada tomou outro rumo. Poucos meses antes de seu 14º aniversário, a garota tranquila dizia mentiras ultrajantes, fugia de casa e roubava. Ela finalmente foi parar na frente de um juiz e, mais tarde, foi mandada para um lar adotivo, onde ela morou em um porão, e teve seus pertences enfiados em um saco de lixo.

Apenas um ano atrás é que Aleem, agora uma professora de 38 anos que vive em Greenbelt, foi diagnosticada com transtorno bipolar. O estado cerebral caracteriza-se entre grandes oscilações de humor, euforia (maníaca) e até mesmo estados depressivos, bem como por instabilidade dos níveis de energia. Estes estados instáveis são acompanhados por uma capacidade de julgamento prejudicada. O diagnóstico explicava suas agitações, pensamentos desarticulados e noites quase completamente sem dormir. E explicava suas terríveis alucinações, que eram seguidas por um estado catatônico onde Aleem não conseguia se mover ou falar.

Cerca de 2.6% dos adultos e 11.2% dos adolescentes entre 13 e 18 anos tem o transtorno bipolar, de acordo com a Administração dos Serviços de Saúde Mental e Abuso de Drogas. O transtorno pode ser difícil de ser reconhecido e tratado. Medicamentos combinados sempre trazem uma melhora significativa, mas alguns pacientes têm efeitos colaterais e apresentam pouca melhora. Pesquisadores que acreditam que o transtorno é hereditário em mais de 70% dos casos, e esperam identificar drogas dirigidas às vinte variações genéticas conhecidas por estarem associadas ao transtorno.

Alguns pacientes que não respondem bem aos antidepressivos são tratados com Estimulação Magnética Transcraniana (EMT), que envolve a colocação de um pequeno imã sobre a testa que produz uma corrente elétrica leve a fim de estimular a região cerebral associada aos transtornos de humor.

A EMT foi descoberta para tratar a depressão sem ativar a desordem psíquica. O transtorno bipolar, de certa forma, é um diagnóstico controverso. Uma pesquisa que apareceu no Journal of Clinic Psychiatry em 2008 relatou que menos da metade de um grupo de pessoas declarado portador da doença mental atendeu aos critérios do diagnóstico da Associação Americana de Psiquiatria. (Os dados foram obtidos de entrevistas com setecentos pacientes psiquiátricos.)

O estudo mostra que o transtorno bipolar foi sempre diagnosticado incorretamente – e mais suscetível a ter um diagnóstico superestimado do que subestimado. O estudo, em andamento, mostra uma taxa três vezes aproximada de diagnóstico superestimado comparado com o subestimado, alega Mark Zimmerman, um psiquiatra do Hospital Rhode Island em Providence e Principal Investigador do Estudo.

O diagnóstico superestimado do transtorno bipolar pode resultar na prescrição de medicamentos que podem ter efeitos colaterais bastante nocivos. Pode também criar fatores de tensão que estipulam, equivocadamente, o rótulo de uma doença séria e lidar com estigmas sociais, segundo James Potash, diretor de psiquiatria da Universidade de Hospitais e Clínicas Iowa, na cidade de Iowa.

Inversamente, o diagnóstico subestimado do transtorno bipolar resulta em oportunidades perdidas de prover o melhor tratamento. As pessoas são diagnosticadas com depressão e recebem antidepressivos sem drogas reguladoras do humor. Isto pode piorar o transtorno bipolar, contribuindo para mais oscilações, segundo Potash.

Zimmerman diz que o histórico familiar pode ajudar a estabelecer o diagnóstico.

“Temos observado os entes familiares de primeiro nível [pais, filhos, parentes] de indivíduos dos quais, mediante avaliação cuidadosa, diagnosticamos com o transtorno bipolar. Descobrimos que eles eram, significativamente, mais suscetíveis a apresentarem o transtorno bipolar do que entes familiares de primeiro nível de indivíduos que nunca foram diagnosticados com o transtorno bipolar. Também não detectamos diagnósticos em entes familiares de primeiro nível de indivíduos dos quais concluímos que não apresentaram o transtorno bipolar”, segundo ele.

Até dois anos atrás, uma definição mais abrangente da doença em crianças do que em adultos resultou num surto em diagnósticos de transtornos bipolares. Este surto ocorreu ao longo de uma década começando no final dos anos 1990.

Alguns pesquisadores acreditam que o aumento pode, parcialmente, ser o resultado de tentativas de corrigir diagnósticos subestimados. Outro fator pode ser devido a outras condições – déficit de atenção/transtorno de hiperatividade, por exemplo – pode ser equivocado para o transtorno bipolar devido aos sintomas sobrepostos.

Agora, algumas crianças que previamente foram diagnosticadas com o transtorno bipolar, na verdade, teriam transtorno disruptivo da desregulação do humor. Sintomas desta desordem sobrepõem-se com aqueles da doença bipolar: irritabilidade extrema e frequente, rompantes emocionais de raiva.

E eles dizem que crianças com transtorno disruptivo da desregulação do humor não eram propensas a desenvolverem hipomania ou casos alternados, dois estados bipolares clássicos.

Alguns psiquiatras estão, no mínimo, tão preocupados em se aprofundar no transtorno bipolar como estão quanto ao diagnóstico superestimado da doença, que tipicamente se manifesta inicialmente na adolescência ou por volta dos vinte anos.

Isso sempre passa despercebido porque as pessoas não reconhecem que elas estão doentes, especialmente quando estão maníacas; porque os médicos das famílias podem não ter treinamento para enxergar isso; e porque alguns sintomas refletem aqueles de outros problemas, dizem os clínicos treinados para tratar a doença.

 

As quatro fases

O transtorno bipolar tem várias fases, sendo que as mais reconhecidas são o comportamento maníaco e a depressão.

“Com o comportamento maniforme (mania), eles ficam mentalmente agitados, falam muito rapidamente e de uma forma desconexa. É como se o volume estivesse sempre alto no seu cérebro até o ponto em que começa a doer e você perde o controle. A depressão é quando o volume é diminuído”, segundo Potash.

Numa fase mais sutil, na hipomania, o volume é alto o suficiente para ser prazeroso.

“Você pensa e fala de alguma forma mais rápida, ainda que numa breve conversa alguém simplesmente possa pensar que você está de bom humor. Mas seus julgamentos e comportamentos podem estar ausentes e podem colocá-lo em problemas”, diz Potash.

A fase menos compreendida é a dos estados alternados, com altos e baixos ao mesmo tempo. Por exemplo, o humor pode estar baixo e a energia alta, um estado conhecido como depressão agitada. O estado alternado é o que mais preocupa os profissionais; ele vem com alto risco de suicídio.

 

 É, de fato, Transtorno Bipolar?

Scott Aaronson, diretor dos programas de pesquisa clínica na Sheppard Pratt, um hospital psiquiátrico em Towson, Md., começa a suspeitar seriamente que é bipolaridade, se ele encontra três ou mais casos de depressão em 12 meses.

Segundo ele, diagnósticos precisos demoram meses ou anos.

“Você deve identificar e compreender os intervalos de tempo quando os pensamentos e sentimentos de uma pessoa não estavam equilibrados. E, então, analisar cada intervalo a fim de reconhecer os sinais e sintomas que indicariam uma fase de transtorno bipolar”, afirma.

Os pais de Aleem e seu terapeuta achavam que ela estava simplesmente dissimulando por quase um ano até que os sinais vieram à tona.

“Eu tinha sido transferida para uma escola pública onde eu era a “garota diferente”, provocada e excluída socialmente. Eles pensavam que era apenas uma transição”, lembra Aleem.

Ainda assim, houve uma vez em que um psiquiatra a diagnosticou como bipolar – após um diagnóstico falho de esquizofrenia – não foi uma solução fácil.

Ela tomava trinta pílulas por dia, prolongando a maioria dos efeitos colaterais: ganho de peso de mais 100 quilos, contrações oculares, tremores nas mãos e queda de cabelo.

“Eu não conseguia ir ao colégio, trabalhar ou dirigir. Minha sobrinha de oito anos tornou-se minha melhor amiga”, relembra. Ela também passava os dias ao lado da mãe em Springfield, Mass., até os 21 anos de idade.

Mas ela escolheu os efeitos colaterais ao invés das alucinações e sentimentos fora de controle, como uma espiral. Quando ela recuperou uma estabilidade relativa, as doses foram finalmente diminuídas pela metade. Ela começou a se sentir mais próxima de estar plena novamente.

Com testes genéticos, os psiquiatras esperam aprimorar o início do tratamento.

“Queremos chegar ao ponto onde estes testes possam nos dizer quais circuitos cerebrais estão bloqueados e sermos capazes de recuperá-los”, defende Potash. Seu trabalho recente identificou marcadores genéticos em pessoas predispostas a responderem bem ao lítio depois que outros medicamentos múltiplos falharam.

Aaronson diz que ele tem tido “resultados espetaculares” com a EMT, especialmente no tratamento da depressão em pacientes bipolares que apresentam o que são chamados de episódios de mania claros — definido pela APA (American Psychiatric Association) como um período de, pelo menos, uma semana onde uma pessoa está bastante animada ou irritada e demonstra outros sintomas como: menos necessidade para dormir, falar mais do que o normal, comportamento de risco acentuado e pensamentos agitados.

Aaronson considera a eficácia da EMT como um avanço naqueles com depressão e episódios de mania, pois tratar a depressão destes pacientes sem levar em consideração suas desordens psíquicas tem sido difícil.

 

Altos e baixos

As pessoas com transtorno bipolar estão também frequentemente lidando com trauma emocional e abuso de drogas. 60% em algum momento preencherão o critério para abuso de droga e/ou álcool. E ficar sóbrio pode afetar mais o prognóstico do que a medicação, de acordo com Aaronson.

“Eu aconselho meus pacientes a dormirem bem e não beberem. E os encorajo a ter insights sobre a doença deles porque um bom prognóstico depende de chegar ao ponto onde eles reconhecem uma recaída ou que estão entrando em um caso maníaco ou alternado”, ele diz.

Ele também incorpora yoga, meditação e outros treinamentos de relaxamento. A pesquisa sugere que a combinação de meditação e terapia pode ajudar na memória e na execução de tarefas em pacientes bipolares.

Aaronson suspeita que, no final, a pesquisa demonstrará que a dieta desempenha uma função na regulação do humor. Ácidos graxos de Ômega 3 no óleo do peixe podem ajudar. Este suplemento dietético inibe ou desacelera a proteína Kinase, que é parte de um circuito sinalizador cerebral associado com transtorno bipolar, explica Lauren Marangell, uma psiquiatra em Houston.

Marangell diz que adicionar Omega-3s não trará nenhum prejuízo e pode trazer benefícios, alertando as pessoas para não pararem de tomar seus medicamentos tradicionais a menos que eles tenham uma forma amena de bipolaridade e desejem evitar efeitos colaterais.

Aleem, que não tinha sequer ideia do que estava acontecendo com ela 20 anos atrás, terá que lidar com o transtorno bipolar por toda sua vida. Ela fala sobre sua doença nas universidades e em outros lugares, e escreveu livros sobre sua vida com o transtorno bipolar enquanto trabalhava em tempo integral e educava sua filha.

Limitada a quatro drogas e com terapia comportamental cognitiva intermitente para ajudá-la a reestruturar seus pensamentos, ela diz: “Estou de volta a vida social há 10 anos agora. O que mudou é que eu conheço minha doença e sei como cuidar de mim. É uma jornada com altos e baixos. Você tem que continuar batalhando”.

 

Artigo original disponível em: https://www.washingtonpost.com/national/health-science/bipolar-can-be-difficult-to-diagnose-and-even-harder-to-treat/2016/11/11/822c2810-8b19-11e6-b24f-a7f89eb68887_story.html?utm_term=.8f0f87296cba