Porque a obesidade prejudica tanto sua mente quanto seu corpo
Publicado por Scio Education

Por Moheb Costandi

1 de Novembro de 2016

 

Não são apenas as medidas do seu corpo que sofrem quando você engorda, de acordo com descobertas intrigantes de pesquisadores sobre as relações entre obesidade, perda de memória e demência.

Recentemente, Lucy Cheke e seus colegas da Universidade de Cambridge convidaram alguns voluntários para irem até seu laboratório e participar de uma espécie de “caça ao tesouro”.

 

Os participantes navegaram em um ambiente virtual sobre uma tela de computador, deixando de lado vários itens ao longo da tarefa. Então, eles responderam a uma série de perguntas para testar suas memórias a respeito do que haviam feito, como por exemplo, onde haviam escondido um item específico.

 

Ao examinar o que poderia ter influenciado o desempenho deles, era de se esperar que Cheke estivesse mais preocupada com o QI do participante − não suas medidas corporais. No entanto, ela encontrou uma relação clara entre o Índice de Massa Corporal – um índice que mede o peso em relação à altura − e déficits visíveis de memória: quanto maior o IMC de um participante, pior o desempenho dele na tarefa de caça ao tesouro.

 

Ao fazer isso, Cheke contribuiu para um conjunto de evidências pequeno, mas crescente, que mostra que a obesidade está ligada a diminuição do cérebro e a déficits de memória. Esta pesquisa sugere que a obesidade pode contribuir para o desenvolvimento de condições neurodegenerativas como a doença de Alzheimer.

 

Surpreendentemente, também parece mostrar que a relação entre obesidade e memória é uma via de mão dupla: o excesso de peso, ou a obesidade, não só afeta a função da memória, mas também pode afetar os hábitos alimentares futuros, alterando nossas lembranças de experiências alimentares anteriores.

 

O interesse de Cheke no assunto começou inesperadamente. “Na época eu estava me debruçando sobre a capacidade de imaginar um estado futuro, particularmente na tomada de decisões alimentares”, disse Cheke. “Se você tem fome, também vai se imaginar nesse mesmo estado no futuro, mas as pessoas obesas parecem tomar essas decisões baseadas em julgamentos factuais, em vez de usar a imaginação”.

 

Uma possibilidade era que a obesidade pudesse estar danificando a capacidade deles de “viagem mental no tempo”. A pesquisa científica tem demonstrado há muito tempo que a memória e a imaginação estão intimamente ligadas, à medida que agrupamos fragmentos de lembranças passadas para prever como os eventos futuros podem se desenrolar.

 

A relação fez sentido, disse ela, com alguns indícios que a obesidade afeta as áreas do cérebro conhecidas por serem usadas na memória e na imaginação. Em 2010, por exemplo, pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de Boston informaram que adultos saudáveis, de meia-idade, com gordura abdominal aumentada tendem a ter um volume cerebral ligeiramente menor. Em especial, o hipocampo, uma estrutura cerebral profunda, às vezes chamada de tipografia do cérebro, graças a sua função de aprendizagem e memória, foi significativamente menor em pessoas obesas em comparação com indivíduos mais magros.

 

Houve também algumas dicas de estudos com animais. “Em estudos com foco nas mudanças de peso e de comportamentos alimentares dos roedores, o desempenho deles foi péssimo em tarefas de aprendizagem como o “labirinto de água Morris”, explica Cheke. “Quanto mais eu me debruçava sob isso, mais eu esperava ver déficits de memória, mas ainda havia muito o que se olhar sobre essa questão.”

 

Daí o seu experimento com a caça ao tesouro. Com certeza, os participantes obesos achavam particularmente difícil lembrar-se da localização dos diferentes objetos − acrescentando algumas evidências importantes para sua hipótese e apoiando descobertas anteriores que indiretamente ligavam a obesidade a deficiências da função cognitiva.

 

Mais recentemente, um estudo de tomografia cerebral, incluindo mais de 500 participantes, confirmou que estar com excesso de peso ou obeso está associado a um maior grau de degeneração cerebral relacionada com a idade. Estes efeitos foram maiores em indivíduos de meia-idade, nos quais as alterações relacionadas com a obesidade corresponderam a um aumento estimado da “idade cerebral” em 10 anos.

 

A obesidade é uma condição complexa com muitos fatores contribuintes; sendo assim saber exatamente como ela pode afetar a estrutura do cérebro e sua função ainda é incerto.

 

“A gordura corporal é a característica que define a obesidade, mas temos também outras questões como a resistência à insulina, a hipertensão e a pressão arterial elevada”, disse Cheke. “Elas podem caminhar lado a lado com fatores comportamentais (tais como comer demais e a falta de atividade física) e todos elas podem, potencialmente, causar mudanças no cérebro. ”

 

“Por exemplo, a insulina é um neurotransmissor importante e há muitas evidências de que o diabetes está associado a mudanças na aprendizagem e na memória”, acrescenta ela, “mas há também evidências de que a gordura corporal elevada por si própria leva à inflamação no cérebro, que também pode causar problemas.”

 

A inflamação é outra potencial culpada. Os psicólogos da Universidade do Arizona analisaram dados de mais de 20.000 participantes no Estudo de Envelhecimento Longitudinal Inglês, no qual índices de memória, IMC e níveis plasmáticos no sangue de um marcador inflamatório chamado proteína C reativa foram coletados a cada dois anos entre 1998 e 2013.

 

Eles descobriram que a maior massa corporal estava associada a um declínio na função da memória, e também com níveis mais elevados da proteína inflamatória. Embora estas relações sejam indiretas, os resultados sugerem que a inflamação cerebral é um mecanismo plausível pelo qual as diferenças na massa corporal podem influenciar a função cognitiva em outros adultos saudáveis e idosos.

 

Via de mão dupla 

Isso deve ser motivo de preocupação especial, visto que a evidência recente é que o caminho entre a memória e a obesidade pode caminhar nos dois sentidos, pois a atenção e a memória controlam o nosso apetite e comportamento alimentar. Em termos práticos, um déficit na sua memória poderia te engordar.

 

A evidência inicial de que a memória desempenha um papel importante nos hábitos alimentares veio de um estudo de 1998, mostrando que os pacientes com amnésia profunda vão prontamente comer várias refeições uma após a outra, porque eles não conseguiam se lembrar de que tinham acabado de comer.

 

“Isso mostra que quando estamos decidindo o quanto vamos comer, não estamos apenas baseando essas decisões em sinais fisiológicos sobre quanta comida há no nosso estômago, mas também em processos cognitivos como a memória”, disse o psicólogo experimental, Eric Robinson, da Universidade de Liverpool.

 

“Se sua memória está fragilizada ou não é muito boa, você poderá comer demais”, acrescenta. “Eu queria saber se isso poderia ser revertido. Se você melhorar a memória de uma pessoa, poderia ser essa uma maneira útil de fazê-la comer menos?”.

 

Robinson e seus colegas recrutaram 48 pessoas obesas ou com excesso de peso e as convidaram para almoçar no laboratório. Os participantes foram divididos aleatoriamente em dois grupos e receberam gravações de áudio para ouvir enquanto comiam.

 

Uns, em um grupo, ouviram o áudio instruindo-os a prestarem atenção as suas comidas, enquanto outros, num segundo grupo, escutaram a audição de um livro com conteúdo não relacionado à comida.

 

Então, os pesquisadores os convidaram novamente no dia seguinte e lhes deram alguns lanches com alto valor energético e verificaram o quanto eles comeram. Descobriram que aqueles que tinham sido instruídos a se concentrarem em suas refeições de almoço do dia anterior comeram quase um terço a menos dos lanches do que aqueles que tinham prestado atenção na audição do livro.

 

Um estudo de acompanhamento maior confirmou essas descobertas. Desta vez, Robinson e seus colegas designaram, aleatoriamente, um total de 114 mulheres de um entre dois grupos, e tentaram, de certa forma, manipular aqueles que estavam cientes de seu comportamento alimentar.

 

Mais uma vez, eles deram a todos os participantes a mesma refeição de almoço, consistindo de um sanduíche de presunto, mini rolinhos de salsicha, um pacote de batatas fritas, bolinhos de arroz, biscoitos de chocolate e uvas sem sementes.

 

Antes de se sentarem para comer, os participantes de um grupo foram informados de que estavam participando de um estudo sobre o comportamento alimentar, e que a quantidade de comida que eles comessem seria medida. Os outros foram informados de que estavam participando de um estudo sobre como a maneira de pensar e o humor mudam durante o dia.

 

Os pesquisadores não encontraram nenhuma diferença geral na quantidade que os participantes em ambos os grupos comeram. Aqueles que haviam sido informados de que estavam participando de um estudo do comportamento alimentar tenderam a comer menos biscoitos do que aqueles do outro grupo, aparentemente, porque a consciência de seu próprio consumo alimentar foi aumentada.

 

Atenção e memória são independentes uma da outra, mas estão intimamente relacionadas − não podemos lembrar de algo que não prestamos atenção e, da mesma forma, nossas lembranças de algo tendem a ser mais vívidas quanto mais atendemos a ela.

 

É, portanto, possível que uma memória vívida do almoço pudesse reativar o estado fisiológico do corpo, de modo que não nos sentíssemos tão famintos, e, consequentemente, comêssemos menos no jantar. Por outro lado, alguém que estivesse distraído durante o almoço teria uma vaga memória da refeição, e assim, ao pensarem sobre isso no jantar, poderia fazê-los com que sentissem mais fome e comessem mais.

 

Em um estudo de 2011, por exemplo, metade dos participantes jogou “paciência” em um computador enquanto almoçavam. Com certeza, eles tinham mais lembranças do almoço e passaram a comer significativamente mais biscoitos depois do que aqueles que não jogaram.

 

Isto é muito interessante, dada a evidência de que comer demais pode prejudicar a memória, pois quando atrelado aos problemas dela, que reforçam um ao outro, te joga para uma ladeira escorregadia abaixo. “Nossa pesquisa sugere que você poderá comer mais se estiver com uma memória fragilizada”, disse Robinson, “então, você acaba em um círculo vicioso com a memória fragilizada por um estilo de vida precário, e, em seguida, caindo num consumo excessivo.”

 

Ele ressalta ainda que temos que ter cuidado para não tirarmos conclusões rígidas, de qualquer forma, até que tenhamos uma prova robusta de que esse ciclo vicioso existe e tem um efeito real na saúde das pessoas. “Essa ideia faz sentido intuitivamente, mas ainda não há evidência direta disso.”

 

Estabelecendo uma intervenção

 Enquanto isso, a descoberta de que as memórias alimentares e a consciência podem influenciar o comportamento alimentar, pelo menos sugerem uma nova abordagem para ajudar as pessoas a perder peso e manter um IMC saudável; Robinson e seus colegas desenvolveram um aplicativo para smartphones que incentiva as pessoas a comer mais atentamente.

 

“Agora há provas convincentes de que atenção e a memória afetam o quanto as pessoas comem, mas isso vem de estudos de laboratório”, disse Robinson. “Estamos tentando ver se os resultados do laboratório traduzem o mundo real. Nosso aplicativo incentiva as pessoas a tirar fotos do que elas estão comendo e respondam a perguntas sobre suas refeições, a ideia é que a criação de memórias vívidas vai torná-las menos propensas a comer demais durante o dia”.

 

Cheke e seus colegas estão agora acompanhando as descobertas iniciais, tentando separar os vários fatores que contribuem para a obesidade, a fim de tentar determinar quais são susceptíveis de influenciar a estrutura e função cerebrais.

 

Eles também estão usando um aplicativo de smartphone para coletar informações sobre o estilo de vida e o comportamento das pessoas e estão recrutando voluntários em Cambridge para ajudá-los a reunir os dados que precisam.

 

“Uma pessoa pode ser obesa porque ela não faz qualquer exercício e come um monte de porcaria”, disse Cheke. “Outro pode ser obeso por razões genéticas, mas, na verdade, come muito bem e faz muita atividade física, e outro ainda pode ser obeso porque tem problemas de insulina.”

 

“Estamos tentando obter todas essas variáveis diferentes para constatar a contribuição relativa, por isso temos pessoas usando monitores de atividade e preenchendo agendas alimentares para nós. Fazer estudos como este é a única maneira de podermos realçar essas questões.”

 

 

Moheb Costandi é o autor de Neuroplasticidade (Publicação MIT).

 

Artigo original disponível em: http://www.bbc.com/future/story/20161031-why-obesity-damages-your-mind-as-well-as-your-body