Cientistas descobrem como o lítio trata o transtorno bipolar
Publicado por Scio Education

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Uma equipe de cientistas de San Diego conseguiu um marco na psiquiatria: descobriram como o lítio alivia os sintomas do transtorno bipolar.

Usado há décadas para tratar o transtorno bipolar, ele é altamente eficaz para quem responde ao tratamento.

O lítio foi substituído por medicamentos mais modernos por conta dos efeitos colaterais.

Mas a eficácia do lítio em um terço dos pacientes o torna mais eficiente quando comparado aos outros medicamentos. Negligenciar esse dado pode prejudicar muitos pacientes de Transtorno Bipolar (TAB).

Compreender como o lítio trabalha no cérebro para aliviar os sintomas do TAB pode ser a chave para desenvolver novos medicamentos. Esse foi o trabalho dos cientistas liderados por Evan Snyder do Sanford Burnham Prebys Medical Discovery Institute (SBP).

O estudo foi publicado no Proceedings of the National Academy of Sciences e está disponível em: j.mp/lithpath.

Segundo Snyder, o transtorno bipolar é uma doença condicionada por vários genes. Por isso, as tentativas anteriores de encontrar uma causa genética falharam.

Ao usar a resposta ao lítio como “abridor de lata molecular”, os cientistas conseguiram tirar as informações das células, disse Snyder. O método tem o potencial de desvendar as causas de outras doenças poligênicas, desde que haja uma droga eficaz contra essa doença.

Um outro benefício do estudo é a criação de testes para determinar com mais agilidade, quem será ajudado pelo lítio, em vez do atual método de tentativa e erro, diz Snyder.

 

Abordagem do estudo

O estudo usou vários métodos para entender como o lítio age – isso incluiu o estudo de células-tronco embrionárias artificiais derivadas do paciente, chamadas células-tronco pluripotentes induzidas, transformadas em neurônios. Eles também analisaram cérebros de cadáveres de pacientes com TAB. Os testes incluíram o exame de células de pacientes de controle com transtorno e que não reagiram ao lítio.

O líder do estudo, Snyder, diz que o estudo começou com uma “tela em branco” de modo a encontrar possíveis pistas. Depois de criar neurônios em células-tronco de pacientes que responderam ao lítio e pacientes do grupo de controle, eles aplicaram lítio nessas células, buscando diferenças nas proteínas produzidas por elas.

“Então, quando vimos o que essas proteínas eram, usamos computadores para simular como elas se encaixavam. O que saltou aos olhos foi que a molécula chamada CRMP2 era central nessas conexões neuronais – ela regula o citoesqueleto, responsável por dar forma às células”.

O gene funcionava normalmente – os erros aconteciam na “tradução” dessa proteína, explicou Snyder.

 

Além do lítio

A abordagem do abridor de lata é promissora para doenças poligênicas que resistem à análise genômica tradicional, disse Snyder.

“Em outras palavras, é como um abridor de lata, uma vez que você abre a lata, pode por o utensílio de lado e se concentrar no que há dentro dela”, disse.

“Ninguém realmente sabe o mecanismo molecular fundamental que causa, ou submete a fisiopatologia de um transtorno psiquiátrico. Aqui descobrimos um caminho onde já que a condição foi melhorada pela droga, esta pode ser vista como uma “causa” da doença. É esse caminho que devemos descobrir”.

O processo descoberto por Snyder é o oposto do processo racional da descoberta de fármacos. No processo racional os cientistas buscam a molécula-alvo e depois desenvolvem uma droga para atingi-la.

“É semelhante ao que foi feito com a aspirina”, disse Snyder. “Conhecemos como a aspirina funciona antes de sabermos o caminho da síntese da prostaglandina. Mas, uma vez que conhecemos o caminho – por causa da aspirina – desvendamos os mistérios da inflamação. O mesmo que estamos fazendo aqui”.

“Eu quase me arrisco a dizer que os pacientes bipolares que não respondem ao lítio têm uma doença totalmente diferente. Damos o mesmo nome à doença porque os sintomas são similares, mas o tratamento é diferente”.

 

 

Confiável e barato

 

Vendido sob vários nomes, o carbonato de lítio tem um longo histórico como tratamento para o transtorno bipolar. Apesar de ser considerado desatualizado, não é difícil encontrar especialistas que afirmem que ele é uma medicação essencial.

“Muitos pacientes só respondem bem ao lítio”, diz Gerald Maguire, pesquisador do Departamento de Psiquiatria e Neurociências da University of California em Riverside.

O lítio é insuperável mesmo após a criação de medicamentos mais modernos, escreveu Edward Shorter, um historiador social de medicina na Universidade de Toronto, em um artigo de 2009 na revista Bipolar Disorders.

“Com a exceção da eletroconvulsoterapia (ECT), o lítio é o tratamento mais eficaz na psiquiatria”, escreveu Shorter. “Seus efeitos colaterais são bem manejáveis e muitos pacientes permanecem com baixas doses de lítio por décadas. Seus benefícios, em termos de alívio da mania e profilaxia da depressão, são incalculáveis”.

Uma comparação do lítio contra uma droga mais recente, a olanzapina (Zyprexa) não encontrou evidências de que o custo maior da olanzapina fosse compensado pela redução de outras despesas médicas, escreveu Yuting Zhang da Universidade de Pittsburgh em um artigo de 2008 no Journal of Mental Health Policy and Economics.

Segundo Zhang, os custos de tratamento com olanzapina são mais caros do que com lítio, podendo chegar a uma diferença anual de US$ 5.600 em cuidados com a saúde. Além do gasto mensal com a substância ser maior (US$ 153 contra US$16), Zhang escreve que os usuários da olanzapina gastaram cerca de R$1.100 ao mês com médicos e outros serviços de saúde como internação e consultas, durante o primeiro ano de tratamento.

As diferenças nos custos não descartam a possibilidade de que pacientes tratados com olanzapina possuam uma melhor qualidade de vida que justifique os gastos, de acordo com Zhang. No entanto, cai na premissa de que fármacos mais caros sejam melhores.

Resta saber se com os desdobramentos da pesquisa de Snyder haverão outros entendimentos sobre o TAB que permitam endereçar medicamentos corretos que tragam tanto experiências quanto resultados melhores para o paciente.

 

Fonte: San Diego Union Tribune