O dia 28 de maio foi escolhido para celebrar duas datas que levantam bandeiras similares, mas muito importantes no calendário: o Dia Internacional de Luta pela Saúde da Mulher e o Dia Nacional de Redução da Mortalidade Materna.
Geralmente, um tema está ligado ao outro. E hoje não poderia ser diferente.
No texto a seguir, vamos abordar a Violência Obstétrica e tentar entender um pouco mais sobre as polêmica que cerca o assunto.
Cenário
Nos últimos anos, movimentos populares chamaram a atenção por levantarem questões relacionadas à saúde da mulher durante o pré-natal, o parto, e pós-parto, incluindo casos de abortamento.
Alguns grupos, compostos em sua maioria por mulheres, mães e ciber-ativistas, propõem um debate sobre as consequências de possíveis abusos e maus-tratos por parte das equipes responsáveis pelo atendimento obstétrico.
Segundo este movimento, o desrespeito abrange um problema multiprofissional, envolvendo toda a passagem da mulher pelo hospital e expondo desde equipe médica até recepção, equipe de higiene, segurança etc.
Esse conjunto de atos e denúncias receberam o nome de Violência Obstétrica e tem causado polêmica, por contrariarem declarações de alguns profissionais da área e do Ministério da Saúde.
Definições de Violência Obstétrica
A definição mais recente, encontrada em artigos científicos, para o termo Violência Obstétrica agrupa diversas formas de violência (e danos) durante o cuidado obstétrico profissional, incluindo maus tratos físicos, psicológicos, e verbais, assim como procedimentos desnecessários e danosos (aumento no número cesarianas, por exemplo).
Já na Venezuela, o primeiro país latino-americano a adotar essa expressão em uma lei, a Violência Obstétrica é enxergada no sentindo social, sob a ótica do direito das mulheres:
“Qualquer conduta, ato ou omissão por profissional de saúde, tanto em público como privado, que direta ou indiretamente leva à apropriação indevida dos processos corporais e reprodutivos das mulheres, e se expressa em tratamento desumano, no abuso da medicalização e na patologização dos processos naturais, levando à perda da autonomia e da capacidade de decidir livremente sobre seu corpo e sexualidade, impactando negativamente a qualidade de vida de mulheres”
Exemplos de práticas consideradas como Violência Obstétrica
- proibir a mulher de ser acompanhada por seu parceiro ou outra pessoa de sua família ou círculo social;
- privação de uma assistência baseada em boas práticas, tais como parto em posição verticalizada
- possibilidade de se alimentar e de se movimentar durante o trabalho de parto
- realizar qualquer procedimento sem prévia explicação do que é ou do motivo de estar sendo realizado (cesáreas desnecessárias e indesejadas);
- realizar qualquer procedimento sem anuência prévia da mulher (laqueadura sem consentimento);
- realizar procedimentos dolorosos ou constrangedores sem real necessidade, tais como: enema, tricotomia, permanência na posição litotômica, impedimento de movimentação, ausência de privacidade;
- tratar a mulher em trabalho de parto de maneira agressiva, rude, sem empatia
- julgamentos, chacotas, piadas e falas infantilizadas para se referir à mulher;
- separar o bebê saudável de sua mãe após o nascimento sem qualquer necessidade clínica justificável.
- negação do direito à maternidade;
- negação de sua sexualidade;
- desrespeito do direito à acessibilidade da informação durante o acompanhamento pré-natal, parto e aborto;
- restrição da participação da mulher no parto;
- quebra de sigilo e da confidencialidade;
- descaso nas situações de violência física, psicológica e sexual;
- descaso sobre o direito ao planejamento reprodutivo e prevenção de Infecções Sexualmente Transmissíveis, vírus da imunodeficiência humana (IST/HIV/Aids);
- barreiras físicas para o acesso ao serviço de saúde;
- falta de acessibilidade para marcação de consultas e realização de exames.
Categorias de violência obstétrica, direitos e exemplos
Neste quadro, baseado no estudo “Exploring evidence for disrespect and abuse in facility-based childbirth: report of a landscape analysis”, de Bower e Hill, temos um cenário detalhado do constitui o conceito de VO, nos dias de hoje.
Debatendo a terminologia de VO
Essa discussão não é de agora. Há anos, novas expressões surgem para tentar caracterizar o fenômeno (“abuso obstétrico”, “desrespeito e abuso” “Violações dos Direitos Humanos das mulheres no parto”).
O que difere o termo Violência Obstétrica é a sua associação a movimentos sociais feministas, que utilizam a conectividade das redes sociais como plataforma para discutir e fortalecer um movimento em prol da humanização do parto, colocando a mulher como protagonista.
O debate ocorre por conta da terminologia ter sido cunhada em um ambiente sujeito a polêmicas, valores e subjetividades diversas. E que vão contra com a opinião de uma grande parcela da comunidade médica.
Dois lados da polêmica
Apesar do movimento ter sido criado com participação efetiva de muitos profissionais de saúde, a expressão Violência Obstétrica designa um conjunto de atos, práticas e situações que já contam com o respaldo de diversas pesquisas acadêmicas, reconhecendo a objetividade, relevância e especificidade dos procedimentos acusados de maus tratos.
Segundo o Ministério da Saúde, o uso impróprio da terminologia degrada a visão do auxílio médico no parto natural e deve ser considerada imprópria, “principalmente se associado a procedimentos técnicos indispensáveis para resolução urgente de situações críticas à vida do binômio mãe-bebê relacionados ao momento do parto”
Por outro lado, uma pesquisa nacional recentemente reforçou o alerta.
Durante o período estudado, 1/4 das mulheres que realizaram partos normais, e aproximadamente metade das que abortaram, testemunharam terem sido vítimas de violência e/ou maus-tratos nas maternidades.
Saúde da mulher em primeiro lugar
Esse é um tema crucial e com argumentos sólidos de ambos os lados, mas há outras maneiras de se encarar o debate.
Segundo o Dr. Alberto Guimarães, médico obstetra e criador do programa “Parto Sem Medo”, a discussão deve seguir outro rumo.
“Não se resolve a questão retirando ou proibindo o termo. É preciso combater algo que é sabidamente ruim e definir melhor políticas públicas, a relação médico-paciente, o que o profissional pode fazer para atender de maneira mais atenciosa, dar boa assistência no pré-natal, boa estrutura no ambiente da maternidade, bons profissionais envolvidos, e não atender pacientes demais ao mesmo tempo”
Se interessou pelo tema e quer quer saber mais sobre o assunto? Então leia mais sobre Violência Obstétrica nos links abaixo.
Violência Obstétrica no Brasil e o ciberativismos de mulheres mães
Violência Obstétrica e prevenção quartenária
Vivência de sofrimento entre gestantes
Abuse and disrespect in childbirth as a public health issue in Brazil
Ministério diz que termo ‘violência obstétrica’ é ‘inadequado’ e deixará de ser usado pelo governo